Regras do Simbolismo Astrológico e Literário
A receita simples para você virar o Mestre do Simbolismo
É, é claro que o título é clickbait.
Não existe um livro de receitas ou um manual prático para fazer análises dos símbolos em obras de arte.
Pela natureza dos símbolos, isso é impossível.
Estudar bibliografia também não ajuda. Eu decepciono pessoas constantemente ao longo dos anos por causa disso — sempre tem alguém que pergunta quais livros recomendo para se aprofundar no assunto, e minha resposta é sempre um modo educado de responder “nenhum”.
Só que… o negócio também não é aleatório, e quase todo mundo percebe isso. Tem um motivo pra 90% das “análises simbólicas” que a gente vê nas redes sociais serem esquecíveis; dependendo do caso, apesar das propagandas mais ou menos irritantes.
A identificação de símbolos em obras de arte ou objetos culturais é uma atividade rigorosa, e exige lógica. Ela só não é mecânica.
Então, apesar do que escrevi acima, lá vão alguns passos que, sim, vão fazer você perceber estas coisas com mais clareza — e principalmente, conseguir explicar porque uma análise boba é boba.
Esqueça tudo o que envolver “estudo científico”, “análise acadêmica”, ou a intervenção de disciplinas como psicologia, sociologia, etc.
“Simbolismo” é só um nome. Não há uma “ciência dos símbolos” neste sentido. Quanto mais rápido você se desinteressar pelo que estudiosos famosos e seríssimos disseram acerca do assunto, melhor.
Os textos que vão lhe ajudar — e pouco, já vou avisando — são textos de astrologia, alquimia, bestiários antigos, textos de plantas e remédios (os famosos “herbals”).
E eles não vão lhe apresentar uma doutrina, uma disciplina organizada (embora alguns o pretendam). O que eles vão fazer é apresentar informações de segunda mão (ou de terceira…) sobre os próprios símbolos, o que nos leva ao ponto dois.
Observe os símbolos antes de pensar no que eles podem simbolizar.
E aí reside um dos problemas: o que é um símbolo?
Há uma citação famosa de Plotino, que é mais ou menos “tudo está repleto de símbolos, e o sábio é aquele que consegue em uma coisa ler outra”.
Eu já vi gente boa fazendo pouco caso dessa frase, mas ela é estritamente verdadeira, e é por isso que uma ciência simbólica não é possível.
Se ser um símbolo não fosse uma propriedade inerente das coisas, não haveria símbolos naturais.
Veja, as coisas não só não se bastam, mas não se produzem a si mesmas.
Além da matéria de que são feitas, elas têm uma organização própria (por definição, não material*) que a) não foi gerada por elas mesmas e b) pode ser apreendida.
Não é difícil perceber que essas organizações intrínsecas têm relações de semelhança e hierarquia entre si, mas a gente não precisa andar muito por esta estrada. Basta que vocês concordem que há algo na organização de uma flor e de um cachorro que é semelhante nos dois para a mágica acontecer.
A mágica é: há organizações que são menos particulares. Informações na estrutura não-material dos objetos que nos contam algo que não é apenas sobre o objeto, nem sobre a classe mais restrita a que ele pertence. Ou seja, a flor nos informa mais do que apenas sobre ela, ou sobre “flores”.
Esta é a natureza simbólica do mundo.
É neste sentido que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado** diz que “o símbolo sempre aponta para o alto”.
Isso significa que “estudar símbolos” é observar as coisas. Todas elas. O máximo que você puder.
Claro, isso é um pouco mais difícil do que ler um post numa newsletter — mas há modos de facilitar um pouco as coisas, é por isso que mencionei os textos acima.
Eles dão descrições dos símbolos mais comuns empregados pelas próprias ciências.
Listas, descrições de aparência, analogias, etc. Isto não é conhecimento dos símbolos, mas é baseado nele, e pode ajudar a orientar a observação, ou ao menos selecionar, na diversidade inabarcável da Criação, quais símbolos devem ser estudados com mais atenção.
Claro, se você me perguntar, eu direi que você deve começar com os planetas, porque sua regularidade os torna símbolos mais perfeitos e mais fáceis de observar; além disso, são só sete e de dois deles certamente você já ouviu falar (o Sol e a Lua).
Mas nenhum texto pode substituir a observação, a meditação, a contemplação, o esforço ativo de compreender e a tranquilidade passiva de perceber a própria coisa.
É uma atividade para a vida inteira, mas um sinal de que você está progredindo é quando começa a perceber a unidade por trás das listas de descrições dos objetos.
Isso não quer dizer que você consiga explicar aos outros, infelizmente. Sim, é um pouco frustrante ler listas de descrições de Saturno, observar o bicho durante anos, perceber o que há de saturnino por trás de todas as descrições e quando alguém lhe perguntar o que é essa coisa por trás a única resposta que vir à sua mente for “Saturno”.
Mas é assim que as coisas são.
Este ponto é implícito no 2, e na prática é feito mais ou menos ao mesmo tempo. Perceba o que é analogia, o que é a comparação simbólica entre objetos.
O negócio é mais ou menos simples de explicar, mas, de novo, requer um tempo para entender realmente.
Há mais de um tipo de semelhança entre as coisas. A analogia é uma semelhança que não é material, como entre o tijolo e o prato; nem “genético”, entre pais e filhos, descendentes de um mesmo ancestral, etc, nem a partir de um princípio de igualdade, como dois tons de azul, ou o sabor de dois chocolates.
Ela se refere à organização interna das coisas; à proporção entre “estruturas” diferentes.
O exemplo do Mário Ferreira dos Santos é excelente (eu não lembro de qual livro, mas ele usa o exemplo para marcar a diferença entre o silogismo lógico e a dialética simbólica): O rei está para seu reino assim como o leão está para a savana.
Para dar uma explicação mecanicista, a analogia simbólica olha “engrenagens com a mesma função em máquinas diferentes”.
É muito difícil mensurar esta capacidade, e não quero parecer um monge Zen, mas você vai perceber quando começar a entender este negócio um pouco. De novo, isso é um exercício para a vida inteira.
Uma coisa que ajuda bastante é a via negativa. Estou vendo essas duas coisas aqui, e parecem semelhantes, nestes dois objetos. Isso vem da matéria de que são feitas? Isso vem da origem comum? Isso vem porque estou comparando as duas coisas pela congruência mais ou menos imperfeita com uma outra coisa?
(O problema é que responder “sim” a essas perguntas não significa que não haja uma semelhança analógica entre elas, mas é um começo).
O passo que todos estavam esperando; aliás, o passo pelo qual tanta gente começa — e é por isso que tropeça.
É, estou exagerando, o certo é começar tudo ao mesmo tempo. Mas cada coisa tem sua importância relativa em algum momento do processo, e você só deve levar o produto deste quarto passo a sério depois de ter feito os outros por um tempo.
O passo é praticar. Tente perceber semelhança simbólica entre as coisas. Isso inclui, é claro, pinturas, esculturas, poemas, romances, desenhos em quadrinhos, gibis, músicas — mas não exclui plantas, animais, planetas, pedras preciosas, etc.
Com o tempo, algumas coisas passam a ficar claras. Por exemplo, alguns animais e plantas parecem ter o mesmo “papel” em manifestações culturais de um povo, como se fossem lugares-comuns mais ou menos intercambiáveis. Isto acontece muitas vezes porque há uma semelhança analógica entre eles — são símbolos parecidos.
Em alguns casos, você consegue entender porque um quadro, um mito, etc, evoca determinadas sensações e/ou reações.
Em outros casos, você consegue perceber elementos mais elevados da cultura mundial (como, por exemplo, porque o Cebolinha é o autor dos planos infalíveis e não a Magali, ou porque o Lanterna Verde e a Mulher-Gavião são namorados no desenho da Liga da Justiça).
Este texto foi inspirado numa pergunta sobre Moby Dick. Eu não lembro dos detalhes do texto que escrevi e que motivou a pergunta, mas cabe aqui um exemplo.
Existe um mito — na verdade, dois complementares, um ascendente e outro descendente — chamado “A Descida [e a Subida] pelas Esferas”. A alma faria o caminho pelas esferas planetárias antes de “encarnar num corpo”, e o caminho contrário ao fim da vida.
Esta estrutura fica muito mais fácil de entender quando se entende o que são cada um dos símbolos envolvidos nela, mas o que é importante para o exemplo é: esta estrutura, de forma completa, incompleta, modificada, ou até dobrada, está bastante presente na estrutura de grandes obras de ficção.
Normalmente a descida pelas esferas sugere que — em algum modo e não exclusivamente, é claro; sempre há muito mais num texto — a história inclui algum tipo de “nascimento”, ou de “renascimento”.
No caso de Moby Dick, a história começa com um dos parágrafos mais frios e secos, mais melancólicos (no sentido tradicional e no moderno) de todos os tempos e termina com um encontro (no mar, claro) com uma enorme e redonda besta branca.
Se você pensou que a história começa com Saturno e termina com a Lua, parabéns, ganhou um spoiler.
É só isso, por enquanto. Espero que tenha sido divertido.
Se achou o texto interessante, por favor inscreva-se e compartilhe.
Se não achou, é melhor não fazer isso não, porque não melhora muito.
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Notas:
*Isto é tão óbvio — claro, digo “óbvio” mas fui perceber depois dos 45 anos — que é até difícil de explicar, mas é fácil de demonstrar. Peguem com cuidado dois livros, e ponham em cima da mesa. Depois, invertam a ordem, pondo o que estava embaixo em cima do que estava por cima, sem amassar nem dobrar nenhuma folha. É só isso, obrigado.
**René Guénon. Agora que você leu o texto inteiro, é razoavelmente seguro mencioná-lo sem provocar reações adversas.
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Muito bom!!